domingo, 16 de setembro de 2007

" These White Lights Will Bend to Make Blue "


imagem de Raphael



eu nunca cheguei a casa.
tudo o que em mim morreu
estende-se ao longo de um corpo.
que não é o meu.

o filme acabou antes de poder dizer-te.
-não gosto de ti.
são as tuas pálpebras.
as tuas pálpebras absurdas a tilintar
no fundo dos meus olhos.

não sorrias, digo.

eu nunca cheguei a casa.
inventei nomes para a tua ausência
como se estivesses
ao fundo de todas as ruas.

é como se vivesses ainda do chão da sala
a criar teorias sobre o amor
dentro dos meus livros.

hoje não me apetece gostar de ti
nunca mais.



cláudia ferreira

domingo, 9 de setembro de 2007

há-de chegar um dia sem fim
em que morrerás lentamente
como nos meus sonhos.

das bocas não nascem palavras
como nos dias do passado
agora que nos ajoelhamos
perante muros de algodão incandescente.


cláudia ferreira

quarta-feira, 5 de setembro de 2007


imagem de Pedro Moreira


ainda que me sobrem duas ou três palavras
para embaciar a mesa de centro na sala verde,
entristeço-me como na última noite das aves.
deixo cair violentamente sobre as acácias
as mãos exaustas do amante folheado no primeiro livro.
repito o nome das coisas mais fechadas
para não esquecer as circunstâncias.

não te construo, suponho-te taciturno e interminável
na ondulação da pele sob o vestido ansioso
e é nos meus olhos que acendo as ruas quietas
quando as janelas são minutos cegos a percorrer o corpo
como tenazes de fogo a evitar precipícios.

ainda que sobrem apenas dois pés cruzados
na tenacidade dos dias, o peito deitar-se-á nos teus vícios
numa corrosão infernal.


cláudia ferreira