sábado, 30 de julho de 2011

o espaço do teu corpo é o espaço infinito do gesto
ombros, mãos, pescoço toda a vida.
eternamente diriam os homens de língua acesa.

há palavras que nos consomem
que nos arrancam todos os dentes da boca
e fazem com que fiquemos nus

as gengivas podres de tanto dizer o amor.



c.

49

quando tudo chega a demorar mais do que a boca
nas estações, nos comboios desconhecidos e brilhantes da euforia
hanging on a curtain, está a dar morphine e não sei o teu nome
escrevi-te algo na outra noite, começava com um pássaro vermelho e tu fugias.
não me lembro se eram as ruas de montalegre ou copenhaga mas a tarde acabava
e um candeeiro tremeluzente não anunciava mais do que uma falha eléctrica.
nada de poético a declarar, as pombas cagavam nos bancos vermelhos
de um jardim que cheira mais a mijo que a magnólias. nada mais do que inspirar
e x p i r a r, acender um cigarro e apagá-lo, acender outro, pedir um café
pode ser curto, ok tanto faz, dizer mal da vida com os pés pousados um em cima do outro.
fazer limpeza à carteira no meio da confeitaria, talões, clonix, ben-uron, trifene
dizes que esta merda parece uma farmácia, espero que nunca te doa a cabeça.
e tudo chega a demorar mais do que a boca no braço, antebraço, peito, corpo infinito
inteiro.
não fales do que não sabes, do filme de ontem a doer nas entranhas quando ele a beijava
e não era ele que a beijava, nem ela, nem sequer tinham lábios e tudo se dissolvia rapidamente
dentro de mim e fora de mim tudo tremeluzia, não era só o candeeiro nem os músculos das pernas
de te ver chegar a sorrir contra o vento.


c.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

balada do medo

não podes saber que beijei esta nuvem de aço
na rapidez da ferida que me nasceu no peito.

há uma halo de luz na doçura do país em que perdemos
a contagem do tempo
a aventura do espaço
a invenção da mágoa,
viver paris
abandonar paris
e emergir no medo da voz do amante abandonado
com lâminas na boca.

já não dança a bailarina das mãos partidas
no azul da solidão de dentro.
nem se acumulam lembranças debaixo das unhas
de plástico do medo

hoje sou eu e uma bala de fumo
na inconstância do tacto.


c.

dos textos incompletos III

qual de nós se esqueceu do outro?
fui eu que esqueci as palavras dos comboios como corvos
no pouco que sobrou do teu corpo?


c.

dos textos incompletos II

antes de mais
vamos pôr a mesa.
talvez não saibas ainda quantas vezes pus a mesa
à espera de te ver chegar num momento qualquer
[no que de mim é inabalável]

para além dos pratos alinhados há o frio
e o medo da morte
a verdade é que nunca vieste sentar-te perto de mim
nunca a tua mão pousou na claridade dos meus dias

c.

dos textos incompletos I

não há ruas para a tua ausência
às vezes ainda limpamos o pó
dos candeeiros que iluminavam as casas.

Noutros dias ficávamos só a observar
a trajectória dos astros.
e os dias morriam lentos na tua boca
[como a tua boca morria lenta na minha memória]

não há sorriso para escrever-te.

as mãos cheiram a tabaco
e o vício de ti é o limite
da eternidade

talvez outro dia exista para te fazer chegar
a sorrir como na primeira vez
a mentir como no primeiro abraço.


c.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

a puta da estrada,
sempre a puta da estrada e os meus dedos desengonçados
atrás do maço de tabaco. no bolso do casaco, no das calças
nos teus olhos
o maço de tabaco, os meus dedos
desengonçados
no teu rosto a invernia
a puta das estrada


c.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

na fotografia nascia um rio de dentro da tua boca

na fotografia nascia um rio de dentro da tua boca,
tinhas uma mão na direcção das palavras e era como sentir
todos os caminhos parados na tua inocência descontínua.

hoje vou só fingir estar contente por te ver sorrir.
corro uma rua transitória. como inverter a cólera?
sinto o cheiro a gordura dos restaurantes pequenos com cortinas floridas,
memórias de homens baixos de sobretudo são discutidas em mesas de plástico
e vivem todos no amor como em marquises azuis e amarelas
sempre à espera de chegar ao ponto inflamável do corpo.

na fotografia os dias correm sem literatura
vejo a língua na fabricação do sangue a coagular dias anteriores.
digo o teu nome seis vezes e é obrigatório ligar os máximos à entrada do túnel.
depois temos uma área de serviço com vista para o nada,
paramos a tomar café. agarro-te o braço pelo cotovelo
e digo-te ao ouvido que estou farta desta merda toda.
sorris.

depois, acendo um cigarro e perco-me da metafísica,
a noite é como um tigre a avançar no meu pescoço
e esta é a última vez que te agarro o sexo com força
e te digo coisas das quais nem eu sei o significado.
não assino o fundo da tela.

sei que me vais ligar amanhã e depois e quando não estiver
quando o vento correr de feição nas avenidas da cidade que reconhecemos.
não há regresso, a seiva dói entre os lábios e as memórias acabarão
por enferrujar no porta-luvas.

lembro-me vagamente de te chamar ao meu conforto
escrever tretas em tamanho a4 para te dizer
amo-te amo-te amo-te.
"kiss and kill me sweetly"
não dá. não dá.

na fotografia tudo se ausenta da sensação etérea do vício.
tinhas uma mão na lentidão das palavras
e o rosto entre as páginas de uma edição antiga.
esta é a última vez que habito as tuas mentiras e uso o teu corpo para fugir de mim.


c.