sábado, 18 de dezembro de 2010

não quero o teu amor escrito no incêndio
nem a tua boca na tristeza dos dias mais longos
como se entrasses no café e te sentasses na mesa ao lado
onde ficarias para sempre como uma coisa morta.

talvez me amasses se eu não existisse para lá das fugas.
se eu fosse uma outra qualquer espera interminável.

se fosse difícil virias dar sentido aos anos
mas é tão simples gostar da tua saliva nas estradas secundárias
e eu não quero o teu amor.


cláudia ferreira

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

cv

uma janela de fugir aos astros
nove andares do sono mais distante
o sorriso monocórdico das musas
a abençoar o isqueiro no canto da mesa.
é daqui que se vêem os faróis cíclicos
assaltar o teu império?
muito antes de me chegarem as chagas
à boca já o teu nome se escrevia na
sombra granítica das putas sem dentes.

um tiro no pulmão por sermos vesgos ao nascer do sol.
corpos de látex de tanto foder com anzóis,
não é uma doença, uma bala na cegueira dos prédios.

pensão monumental - 25 euros
e podes morder a saliva aos animais domésticos do universo.


cláudia ferreira

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

pretending machine

há flores a fingir no parapeito da janela em frente
uma dor plástica dentro de um girassol de asas brancas
le grand secret das palmas das mãos amordaçadas dentro
do vício homicida do esquecimento
sorririas ao desespero com o cigarro entre os lábios
como que a morder-te os tendões
e sairías à rua com o verniz apodrecido debaixo das unhas.
dirias, com dois dedos a segurar-te o rosto,
que o amor é um desejo animal
e passarias o resto da noite a foder em silêncio.

não estivesses morto e havias de rir das minhas palavras,
eu procuraria apenas manter a memória da tua saliva nos meus
segredos mais puros
o tempo, acredita, dar-te-ia uma infinita sensação de acidente.
eu pegaria no copo, encostar-me-ia para trás no soalho
ficaria, só, a contar os passos da tua ausência.


cláudia ferreira

segunda-feira, 22 de março de 2010

take this

hoje

que os meus olhos estão cada vez mais largos
e que as noites são cada vez mais vãs
que já não existem metáforas que me sirvam

nem me afogo
nem desminto

não contesto.

amar-te foi a maior das viagens

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

8102005

começa por ser uma sensação de desconforto, ainda que o copo toque suavemente os lábios
e a tua presença me traga um certo desassossego. primeiro é sempre o desconforto, uma fuga
intensa aos pormenores. depois com a leveza do fumo é um gostar e querer fugir rapidamente,
esconder as mãos entre as pernas ou gesticular quase com entusiasmo. no terceiro cigarro
é conseguir dizer o teu nome e fingir que tudo me é estranhamente familiar. primeiro um olhar
sobre os muros para as palavras penetrarem cegas no corpo, depois o encostar dos olhos
no teu rosto para dispersar as frases. amanhã vai apetecer-me dizer-te tudo mas vou encolher-me
numa cadeira de metal cinzenta a cimentar conversas de merda em frente a duas a três fontes
pelas quais mantenho alguma fascinação. vou acusar toda a gente de ser irremediável como eu
e fumar de uma forma desajeitada enquanto brinco com a colher de café. vou beber seis ou sete
cafés e não vou me vou esquecer de preparar a fuga, magicar uma teoria qualquer para explicar
o desencontro. não é que seja nova esta sensação de caminho errado. o carro trava ao chegar ao
radar, são perceptíveis todos os erros do asfalto e começo a sentir a confluência das feras
nas minhas mãos. quando conheci o alexandre era uma miúda contida e reservada, agora apercebo-me
que ele foi a grande inspiração deste meu sentimentalismo tresloucado. o alexandre deu-me uma
rosa amarela, antes do alexandre nenhum gajo se tinha lembrado de tal. como eu era a miúda
que gostva de ler poesia de vez em quando lá chegavam uns bilhetes com poemas da florbela
transcritos ou livros sublinhados, diziam eles, nas partes mais importantes. sempre tive prazer
em fingir uma imensa alegria. quando surgiu uma rosa amarela na minha vida fiquei só a olhar
com ar de criancinha febril mas nunca fui capaz de retribuir coisa alguma.
amei muito dois homens e o céu lá fora está cinzento. pouco tenho a dizer sobre eles, amei-os
e pronto, nada a declarar. as pessoas que amámos funcionam como um registo criminal, o cadastro
inevitável do corpo. não que isso me interesse demasiado.
primeiro é uma sensação de desconforto, depois começam-se a decorar os cheiros e os gestos
e está tudo fodido. há uma aproximação desconcertante, um toque ocasional e um pedido de
desculpa sem significado. amanhã nada me será tão próximo, a cadeira cinzenta é desconfortável,
o café sabe a esgoto, a MJ está mal disposta e eu preferia não saber o teu nome.

6

um relógio que transportasse
a lucidez
inteira,
o fino cabelo da última
fotografia do
mundo.
o inverno que caísse
mais pesado sobre
a casa
submersa nas mãos.

os braços em
em carne viva
na simplicidade
absurda
de um crisântemo.