sábado, 20 de agosto de 2011

a história começa sempre contigo a abandonar-me

(ponto final)

depois sou eu e uma imensidão de ruas sem nome
eu e as minhas mãos desfeitas demasiado perto do teu rosto
um raio de luz no preenchimento dos espaços

quando eu corro em todos os lados errados
e te encontro em todos os espaços vazios
eu que só quis uma palavra tua ao acordar
os teus nadas mais supérfulos nas minhas mãos incendiárias.

começas sempre tu por ser o motivo do meu desconforto
enquanto cortas devagar o significado das coisas
e o vento atravessa-nos o peito quando nós atravessamos a rua

um dia, as ruas cairão sobre as nossas incertezas
e eu encontrarei o teu beijo num beco qualquer desta cidade
e o teu corpo vai servir-me como um número certo.


c.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

das verdades absolutas

Talvez eu consiga estar mais um dia na certeza do abismo
Antes de me abandonar talvez eu consiga ser o que não sei
Porque tu és a parte de mim que não morre
E eu quis tanto o teu abraço nos meus mais tristes enganos
Que de tanto querer não soube dizê-lo.

Desculpa não saber ser fora de mim o que me atravessa
E guardar na garganta o que me subtrais.
Acendes-me um cigarro mas eu não sei dizer-te
Que me dóis, como uma faca a atravessar o peito

E que sei dos teus olhos perdidos na rua
Que conheço o teu cheiro das manhãs de Outono
Que correria o mundo para te ver sorrir.


c

terça-feira, 9 de agosto de 2011

sad motel

deixa-me ser lentamente o teu corpo
descer das pálpebras até à boca
sem qualquer musicalidade,
tecer no teu peito todas
as minhas feridas.

abraçar-te e entregar-te todos os meus
músculos
com a fome da humanidade inteira
corroer-te
o pensamento.


c.

convite ao afogamento

põe-lhe o copo à frente,
a noite toda deitada em celofane
a esbracejar estradas de fogo

por mim passava ao plano b
lia as instruções do cianeto
e deixava-me ser silente - panorâmica
de asa

mais cedo a nascer o contacto
na mordedura de aço
do descontente rosto
do homem ao balcão da sombra

é preciso esconder as armas da fuga
(impressões digitais a enterrar a boca
no sexo)

não era suposto
ser-te nada.
continuaria a celebrar ausências
de papel vegetal
depois do lixo encolher as
paredes do peito

põe-lhe os dedos na boca
como se cortassem as hélices
da língua

tira-lhe o copo da frente
estende-lhe um cigarro
dá-lhe uma mão de ar
acende-lhe uma agulha
no centro do coração.

da intensidade do gesto

digo-te desculpa não era para ti que queria ligar desculpa
não respondes? não era para ti prometo não era para ti que queria ligar.
parece que vives nos meus enganos mesmo quando os dias são bonitos
e lá fora chove em cima dos carros e dos cães. escrevo violência no silêncio do teu nome
e o momento acontece como se fosse um filme, a música trespassa os casacos dos habitantes com cio

a cera eléctrica na dança das bocas é uma cidade e não te queria ligar
eu preferia esquecer a voz ainda que lembrasse o corpo, o número de telefone e as ruas que desaguam na casa.
hoje o meu coração abriu-se aos animais, cristal umbrella do tráfico de sentimentos sazonais
devias chamar-te Martin, Henry, Jeff, hemoglobinapigmentaçãodaespécieabsurda
uma merda qualquer estrangeira que nos envergonhasse a pronúncia

as noites atravessadas sem bússula em cima de jornais diários gratuitos que anunciam a morte e o silicone.
línguas como borboletas nos parapeitos envergonhados das horas, pontas de cigarros para atirar às tuas fotografias
eu não te queria ligar quando saí enervada do emprego e esperava desmarcar todos os encontros no entanto,
foi a tua voz que surgiu do outro lado para me dizer está tudo bem e pode ser que um dia nos morram os arrependimentos.


c.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

gostava de poder falar-te do mundo
que existe do lado de dentro das mãos.
dizer-te que a vida é só uma estrada,
só mais uma estrada na interminância das horas,
sem portagens nem vias verdes
e que podes passar sem perguntar.
o caminho
gostava de poder dizer-te
que há um mapa tatuado nos ossos.

que esta trovoada não te vai devorar,
que este não-sei-o-quê que se ouve é só o vento.

no entanto, nada digo.
e este silêncio
é só mais um forma
de habitar eternamente
os teus medos.


c.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

era a noite que riscava no teu peito
quando não me doías nas mãos
era apenas o teu corpo na condensação
dos segundos a segredar-me catástrofes
impensáveis.

foi o teu nome que chamei,
quando a respiração estéril
dos pulsos me acendeu na boca
um abismo de água.


dormias e soube-te presente
na fissura dos dedos
nas pedras mais distantes
destas ruas, hoje, -tão cegas-

-tenho a certeza das aves.
morrerei
ainda antes de perder
tudo o que és


c.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

hissen raii

o nunca mais é só uma parte da dor

porque te amei,
as palavras têm uma continuidade difusa

porque te amei,
todos os cigarros estão apagados no chão
e as minhas mãos estão coladas aos teus ombros
de inverno.

hoje, do lado podre do rio
as crianças brincam com veneno
e dançam com lodo na boca as crianças do rio.

sei que não entendes as facas que tenho no lugar das mãos
nem esta vontade de morrer todos os dias na falácia.
lágrimas intra-venosas,
gritos e anátemas
frases sem lógica para justificar a fuga.


c.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

uma avenida em cada dedo a percorrer largas alucinações
do fim da tarde que escorre imenso atrás de um corpo.
é com suavidade que se limpam as coisas mais banais,
bonecas de trapo anoitecidas sem musicalidade
as chávenas de café em torno dos sentimentos de perda.

vou sair e embebedar-me pela primeira vez dos teus livros
deitar a minha boca nos primeiros lábios de espuma.
começa a entristecer a cidade desfigurada junto ao rio,
quando acendo um cigarro nada se move dentro ou fora das aves.
duas luzes azuis comemoram o choque frontal,
sirenes de embalar a morte, a cabeça presa entre o metal e a raiva.

nunca estiveram os meus olhos tão doentes.



c.
muitos terão poemas
outros

outros terão calos
a atrasar-lhes a viagem

(nuvens de nada)

muitos
muitos.caíram
(caírão)

outros nunca te conheceram

(nuvens de nada)

c.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

golpes

escrever-te.
duas mãos na odisseia urbana de existir
a arquitectar fogueiras em vãos de escada.
dois adolescentes, de olhos acesos
na entrada do prédio a partilhar a saliva de um cigarro
ausente.

existiram dias de criar divisões sem vista para o mar
em casas com escadas íntimas.

não acordes os estranhos, a sala está vazia
como no início das doenças.
- devias acender a luz do hall e pôr veneno no jantar
dos vizinhos. sentar-te à minha mesa e pedir perdão
pela pobreza do mundo. dá-me a mão e diz que me matarias
se não chovesse.
coisas tão vulgares como escrever-te.

existiram dias de túneis e mapas dispersos, vocábulos
cravados em gargantas de incêndios
existiu uma porta com o número 244 escrito a lápis
e a noite não doía.

lá fora morrem putas em frente a néones e eu sorrio.
virão dias breves como pessoas,
estreitar as ruas acidentadas do regresso.


c.
e, como disseste, num dia de outono
à beira das lágrimas
aqui te trago o beijo na ponta dos dedos
apodrecidos e gastos de perder-te.

trago-te ainda as cartas,
o destino escrito com a ponta da navalha
na língua.

trago a boca rasgada (rasgada)
a saudade em sangue que repousa no peito,
o teu nome no olhar cego e impuro.

as palavras
morrem
nas palavras

tu não.


c.

portrait of a cynic

sinto-me livre para cometer todos os crimes
a teu favor.
uma pedra no coração das horas
a mastigar dedais imensos
a mastigar os dedos em fúria no teu pescoço.

no meu pescoço
no teu pescoço
no pescoço do mundo
a mastigar memórias em poços imaginários.

ali vem o senhor inglês trazer as más notícias
do futuro e da incerteza,
os metais usados na colheita dos sentidos.
usá-los-ei para cortar todas as mãos
que percorreram a chuva incessantemente
no trânsito da língua.

perder é a coisa mais simples do mundo.


c.