quarta-feira, 14 de setembro de 2016

small talks

esta luz é insuportável.
esta luz sobre as cabeças suadas destes homens e destas mulheres
é absolutamente insuportável.
eu grito, gesticulo, eu faço parte de uma humanidade que não tenho.
eu falo muito alto para não ouvir a minha dor e distraio os músculos para não sentir a minha dor.
e esta luz, a bater-me fundo nos olhos, a rasgar a retina, esta luz. ou digo antes esta fotografia.
ou digo antes este café, este café é intragável. demasiado quente, demasiado áspero.
este chão, este solo demasiado tortuoso. os dias enfeitados de coisas tristes. os dias com feridas conservadas em álcool. e esta luz a bater nos meus joelhos, o barulho da água a correr dentro dos canos. insuportável.
já li cento e quarenta e cinco páginas do livro. já me doeram os olhos cento e quarenta e cinco vezes e quase chorei trezentas e trinta duas lágrimas. e ela, com o seu vestido preto tão perfeita, o pescoço esguio. uma angústia, uma inquietação tão grande como a minha. apetece-me abraçá-la. dizer-lhe: eu sei, personagem do meu livro. eu sei que te dói o coração até às entranhas. e que gritas muito alto, e abres as mãos e gesticulas para não ouvires a faca atravessar a pele. é mais fácil se houver muito barulho.
mas esta luz, este lugar, esta cadeira, esta sala, esta cidade, este país que não me serve. esta dor em que eu não caibo. insuportável. o suor a escorrer na nuca destes homens e destas mulheres e a luz. a luz. insuportável.



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