quarta-feira, 27 de julho de 2011

na fotografia nascia um rio de dentro da tua boca

na fotografia nascia um rio de dentro da tua boca,
tinhas uma mão na direcção das palavras e era como sentir
todos os caminhos parados na tua inocência descontínua.

hoje vou só fingir estar contente por te ver sorrir.
corro uma rua transitória. como inverter a cólera?
sinto o cheiro a gordura dos restaurantes pequenos com cortinas floridas,
memórias de homens baixos de sobretudo são discutidas em mesas de plástico
e vivem todos no amor como em marquises azuis e amarelas
sempre à espera de chegar ao ponto inflamável do corpo.

na fotografia os dias correm sem literatura
vejo a língua na fabricação do sangue a coagular dias anteriores.
digo o teu nome seis vezes e é obrigatório ligar os máximos à entrada do túnel.
depois temos uma área de serviço com vista para o nada,
paramos a tomar café. agarro-te o braço pelo cotovelo
e digo-te ao ouvido que estou farta desta merda toda.
sorris.

depois, acendo um cigarro e perco-me da metafísica,
a noite é como um tigre a avançar no meu pescoço
e esta é a última vez que te agarro o sexo com força
e te digo coisas das quais nem eu sei o significado.
não assino o fundo da tela.

sei que me vais ligar amanhã e depois e quando não estiver
quando o vento correr de feição nas avenidas da cidade que reconhecemos.
não há regresso, a seiva dói entre os lábios e as memórias acabarão
por enferrujar no porta-luvas.

lembro-me vagamente de te chamar ao meu conforto
escrever tretas em tamanho a4 para te dizer
amo-te amo-te amo-te.
"kiss and kill me sweetly"
não dá. não dá.

na fotografia tudo se ausenta da sensação etérea do vício.
tinhas uma mão na lentidão das palavras
e o rosto entre as páginas de uma edição antiga.
esta é a última vez que habito as tuas mentiras e uso o teu corpo para fugir de mim.


c.

2 comentários:

Blizard Beast disse...

Escreves muito bem. Vou passar por cá mais vezes, se não for incomodo.

nocturnidade disse...

Claro! Obrigada. *