domingo, 22 de julho de 2007


imagem de F. Monteiro


tenho frio meu amor, a chuva não veio visitar-te.
de noite as pedras amaciam a tepidez das mãos
virá algum amante revolver as horas?
de repente a cidade apagou-se do meu peito
todos os rostos familiares apodreceram
inequívocos de boca aberta contra paredes imensas.

no chão da fábrica, onde estão costurados
os fetos invisíveis do medo, pernoitam
as inevitáveis aves da tua infância terrena.
deixo-me ficar entre os temíveis sulcos do voo
povoada pelos portões de ferro do útero.

lembro-me de existires perto dos rios.
dentro de mim
lembro-me de existires nos pés dos estranhos
que atravessavam a rua apressadamente
para lá da compreensão do ossos.

há muito que mastigamos eternas ausências
e observamos [absortos] a inevitabilidade das coisas
invocando o nome de deus como uma doença

diz-me se viverá latejante o coração perto da boca,
ténue e húmido como esta ansiedade que nasce na
soleira da porta de tua casa.



cláudia ferreira

4 comentários:

Maria disse...

Envelhecer junto a uma porta traria a vantagem da resistência cardiovascular.

No entanto, a ideia de morrer jovem na minha porta traz uma certa resistência (nem que seja apenas momentânea...)

Que bom descobrir-te de novo.

*

Filipe Sardinha disse...

Bela, a forma melancolicamente romântica de escrever e a honesta pureza do Sentir, como se de uma vela acesa se tratasse, a qual dança num quarto escuro e de olhos fechados. Existem imensas formas de o fazer - Procura as restantes.

É bom quando alguém nos descobre e que forma doce de o dizer. Também é delicioso quando descobrimos.

Um Beijo Quente para alguém corajoso. Parabéns

Filipe Sardinha PTC

Pedro Jordão disse...

Conheci a tua escrita há talvez dois anos. Tinhas três blogs. Adorava-os a todos. Um dia apagaste-os e eu fiquei desolado por nunca ter podido dizer como eram três dos meus lugares preferidos. Olhando para a data deste teu último poema, espero não ter chegado, uma vez mais, demasiado tarde.

Preciso ainda pedir-te algo importante. Uma autorização. Estou a organizar uma mostra chamada "Poesia Quase Anónima: a poesia na blogosfera portuguesa" para expôr no Mercado Negro, uma associação cultural e um espaço multifuncional em Aveiro de que sou programador. O trabalho gráfico está a cargo da Menina Limão (meninalimao.blogspot.com). E queria saber se posso incluir um poema teu, mais concretamente, este:

1926

desejo-te a morte.
agora que o maço de tabaco
inumera cidades onde te vi crescer
e que vejo em ti
os olhos do último amor.

se me apanhares em flagrante
a plantar flores no chão da sala
depois de visitar todos os telhados
para de te ver na perspectiva distante
- da saudade -
deixa-me só amanhecer mais uma vez
cansada demais para poder prender-te
enquanto a chuva se detém nos ombros.

vês o rio no último andar daquele prédio?
é como um incêndio que envelhece ao tocar os lábios
e não se diz nada, é só o silêncio
- a tua nudez mais profunda -
a tua nudez em mim.

Se a resposta for sim, fico à espera dela nesta caixa de comentários ou em pedrojordao@gmail.com. Seja como for, fica um sorriso.

Pedro

nocturnidade disse...

Pedro, não posso dizer nada mais do que um "claro que sim", "obviamente" e "com todo o prazer".

"Um dia apagaste-os e eu fiquei desolado por nunca ter podido dizer como eram três dos meus lugares preferidos."
Creio que ambos temos então alguma dificuldade de expressão uma vez que nunca consegui passar para palavras aquilo que a tua poesia transmite.

"Vemo-nos por aqui" :)