quarta-feira, 23 de novembro de 2011

do que não fomos I


Prometi escrever-te.

O dia amanheceu claro, apesar do Outono, e tu foste a primeira memória quando, ainda dormente senti a fragilidade  da manhã. Foste tu, que me abriste os olhos com os teus lábios.
Fumo um cigarro enquanto te vestes. Olho-te e não posso querer mais nada para além deste momento perfeito em que te vestes. E és só tu e as tuas roupas, despenteado e preguiçoso.
Vais passear o cão, levar o lixo, roubar-me a alma, não percebi bem o que disseste. Vi apenas os teus lábios moverem-se na minha direcção.
Imagino tudo. Tu, a afastares-te devagar, as tuas costas onde deposito os meus fracassos. O peso que carregas, o da minha existência, do meu não poder. Tudo o que eu não quero.
Quando voltares eu já desapareci, não vais lembrar-te de mim. Restarão apenas algumas sensações que não saberás decifrar e esta página escrita. Vais pensar que a retiraste de um livro sem valor qualquer que leste há muitos anos.
A vida vai continuar, a tua casa, os teus filhos a brincar em jardins imaginários, outro corpo na cama a abraçar-te. A dar-te tudo o que não posso.
Mas não existe mais nada, só este momento perfeito em que te vestes e eu me apago sem dizer nada. E eu me dissolvo no desejo de ti.

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