quarta-feira, 7 de setembro de 2016

M-150

tu sabes que eu passava os dias a molhar os dedos na língua e a passá-los na beira do copo. e era essa toda a música que se ouvia na casa. por vezes deixava a janela aberta para a chuva fazer ricochete e molhar os teus livros. e eram tão suaves os meus dias de tocadora de copos de cristal, com vista para o mar.
às vezes ligava a televisão. um dia ouvi, na televisão, temos que aprender a distinguir sexo de amor. dei por mim a discutir com a televisão, temos? temos? temos? por quê? chateia-me que tenhamos que distinguir as coisas, que tenhamos que seguir as 25 linhas do caderno, pisar só as riscas brancas da passadeira.
eu não tenho que distinguir nada digo enquanto molho os dedos. amor é menos amor se lhe chamamos cão? ou será mais, provavelmente mais. foi um mau exemplo.
não quero saber. deixei de ver televisão. prefiro não conhecer os conceitos.
tu sabes que eu passava os dias a escolher as cores da tua roupa e a enrolar novelos de saudade que guardei na última gaveta da tua mesinha de cabeceira.
quando voltares da guerra eu vou molhar os dedos na língua e tocar música no teu corpo como no tempo em que não tínhamos televisão e não sabíamos o significados das canções.


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