quinta-feira, 1 de setembro de 2016

prozac

acendeu a luz e só depois o cigarro
a mão pousada sobre o comando da
televisão, ligada num canal pornográfico.
fumou sem vaidade, nu e sujo encostado
ao único sofá da sala. no ecrã, duas mulheres
fingem nunca se ter visto.

talvez o desassossego ou talvez a campaínha
o carteiro ou a pessoa que limpa as escadas
do prédio. um sobressalto, um ruído que
não identificou imediatamente.
procurou, atrapalhado, o botão vermelho
do comando. desligou a televisão envergonhado
pela nudez dos outros.

nu, sentado no sofá com o cigarro a meio.
um movimento no exterior por identificar.
gostaria de fingir a sua própria morte mas
é preciso sair para para pagar o seguro do carro.
no dia em que se conheceram foi tudo diferente.
fumava vestido no parapeito da janela
quando a viu passar, naquele vestido mais azul
do que o céu mais azul que já se viu na cidade.

a primeira vez que os seus olhos se encostaram
fez prever que, a partir daquele momento, nada
voltaria a ser intacto. ela pediu-lhe um cigarro.
pediu um cigarro ao homem vestido que fumava
na janela do primeiro andar. podia ter-lho atirado
da janela, o cigarro caíria e talvez se rissem da
trapalhada. mas não. ele calçou-se, abriu a porta.
desceu as escadas e ninguém do lado de fora.

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