terça-feira, 6 de setembro de 2016

shame man

quando chegares a casa estarei morta.
provavelmente pendurada no corredor. verás a minha roupa delicadamente dobrada assim que atravesses a entrada . por segundos vais pensar que é estranho mas ainda assim vais tirar primeiro o casaco. pendurá-lo junto às fotografias dos teus antepassados. fica-te tão bem esse casaco, pensarei eu morta. depois vais à cozinha, reparas que os cinzeiros estão limpos e aumenta a sensação de estranheza. é nesta altura que pensas que enlouqueci de vez, não te enganas. nunca te enganas, tens a puta da mania de acertar em todas as previsões. mas desta vez enganei-te um bocadinho, confessa lá. quando te dirigires ao quarto e esbarrares com o meu cadáver. talvez abra os olhos para perceber o alcance da tua estupefação. ou fico quieta como os mortos todos que conheces.
será que vais deixar-me ali pendurada ou cortas a corda para me ouvir cair no soalho? vais pensar, para além de ter enlouquecido, agora vai ficar aqui a impedir a passagem. foda-se.
eu nunca gostei de ti, vais dizer. estás a ouvir morta do caralho? eu NUNCA gostei de ti e eu vou-me rir, deitada no soalho ou pendurada no tecto, vais sentir a minha gargalhada percorrer-te todo o corpo.
afinal o que nos uniu foi sempre esta competição, saber quem sentia mais, quem conseguia abrir a ferida mais fundo. dizias, sente... sente... põe a mão no meu peito, tenho uma ferida até ao osso. e eu punha a mão toda, de uma vez, e sentia os teus órgãos em volta dos meus dedos e tu franzias o sobreolho como se te doesse um bocadinho. ah, meu cabrão, tu ainda fingias que te doía um bocadinho para eu ficar mais um dia.


mas desta vez ganho eu.




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