domingo, 24 de julho de 2016

até quando?

a ana tem duas doenças degenerativas.
uma que lhe vai roubando os movimentos, lentamente como um animal selvagem sem fome.
soube talvez há uns 12 anos, num diagnóstico fatal.

a outra chama-se antónio. dessa doença padece há mais de 30 anos.
mas agora que o antónio não consegue lidar com
a frustração de uma alma que não ama, vinga-se num corpo que não consegue responder.

a ana precisa de ajuda para as coisas mais simples
como descer as escadas do patamar e caminhar
até ao café atrás de casa. a ana tem sempre um sorriso para oferecer a quem passa.
a ana deseja tudo de bom a toda a gente.

o antónio bate na ana. porque ela não desistiu de si.
o antónio grita com a ana porque ela não quer
morrer antes do seu corpo.

a ana não sabe que pode ser salva. a ana não sabe.
por muito que as queixas se acumulem nas entidades competentes, a ana não sabe.
ontem foi à beira do mar e quando me cruzei com ela disse-me que viu pessoas muito felizes e que chorou muito porque adorava poder ir à praia.

a ana já não chora por querer ser feliz.
a ana limita-se a gerir a infelicidade.
a ana limita-se a implorar que antónio pare, nunca que não comece.

gostava tanto que a ana fosse à praia.
gostava tanto que o antónio tivesse lido neruda.




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