sexta-feira, 12 de agosto de 2016

das linhas férreas

agora que dormes
e o quarto é apenas uma linha ténue de luz
que te cobre o peito, descubro no teu sono
todas as respostas

eu morrerei e tu morrerás (inevitavelmente, é certo. tão animais como outros quaisquer).
qual de nós morrerá primeiro, eu não consigo prever.
quando morrermos provavelmente já não nos falaremos há tantos anos quantos nos conhecemos hoje.
não saberás que morri nem saberei que morreste.
não teremos como chorar a morte um do outro.
não haverá qualquer esperança de fazer o luto do teu sorriso.
não poderei dizer que morreu o olhar mais sereno que conheci, nem que nunca mais tocarei a seda dos teus lábios, ou que o mel da tua voz jamais me dirá bom dia ou adeus ou qualquer outra palavra.
não sentirei o golpe de te saber enterrado num cemitério qualquer na tua cidade situada no fim do mundo.
sentir-me-ei em carne viva sempre que te pensar mas nunca será por pensar que morreste.
no dia em que morreres eu vou cumprir todas as rotinas, todas as indicações médicas se já me tiverem diagnosticado os piores males. vou fumar às escondidas, é certo, e ter uns óculos para ler os livros de sempre.
tu terás sempre a mesma idade, quando for a tua imagem no meu amanhecer.
eu nunca saberei que já não acenas aos velhos na rua nem te fascinas com as coisas simples na biblioteca, no estádio de futebol, no olhar das crianças.

esta é a mais cruel alegria.
saber que nunca me morrerás.


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