quarta-feira, 3 de agosto de 2016

ninguém

ninguém nos virá segurar as mãos
quando nos deixarmos cair cansados
no canto do sofá, de costas no soalho.
será apenas a música a perfurar 
os tímpanos delicados da razão

não virá ninguém, chegar-nos as
palavras à boca quando deixarmos
de conseguir ler e os dedos falharem
na aproximação aos lábios.

talvez te escondas para fechar os olhos
ou esperes pela madrugada para mastigar
a dor que te atravessa como um grito
que não soltarás. daqui quase é possível
perceber que a noite não existe.

que o sorriso não existe, são as sombras
a fabricar correntes de luz contra as paredes.

cometo todos os crimes no encontro dos astros
e a dor não é nada mais do que um animal
perdido nas ruas da cidade, ou um saco plástico
que esvoaça contra os sinais de trânsito
(inúteis a esta hora)
 a minha dor inútil em todas as horas

ninguém nos virá pôr as maos nos joelhos
olhar-nos nos olhos, dizer que as doenças
são o que nos lembra que estamos vivos
que o fulgor da lâmina a rasgar a pele
é o mais próximo que teremos da plenitude

que gritares ou não gritares, é indiferente
e o mundo vai continuar
dentro de poucas horas as ruas onde
agora vês poesia, estarão cheias de gente
amantes, criminosos, assassinos de estrelas.

não virá ninguém dar sentido à existência
dos sentimentos por dissolver
colocar rótulos nas coisas mais bonitas
para que te lembres
que o amor será sempre o que está por acontecer
e que as palavras certas só existem
enquanto os envelopes estão fechados.





Sem comentários: